terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Asteróides Pleonásticos - Volume III

Ele andava à beira da estrada, envolto pela escuridão da noite. Algumas vezes, era iluminado pela lanterna dos faróis de um ou outro carro que passava por ali. A estrada era deserta, poucos motoristas ousavam passar por ali, pois o local era famoso por assaltos recorrentes praticados por ninjas islandeses.

Ninguém nunca parou para discutir se realmente existiam ninjas na islândia. Uma vez, sugeriram que eram apenas cangaceiros com toucas ninjas, mas acharam a idéia ridícula demais.Ninjas islandeses eram bem mais interessantes e passavam mais medo que meros cangaceiros.

Os poucos motoristas que passavam pela estrada não paravam, e ele continuava sua caminhada, sem perder a fé de que conseguiria uma carona mais cedo ou mais tarde.

Seus pés reclamavam muito e o xingavam exaustivamente, mas, para sorte dele, não era possível ouvir aos xingamentos que os pés faziam. Seus pés indagavam um para o outro, num momento extremamente filosófico-reflexivo, por que eles tiveram que nascer justamente pés. Por que, óh Deus, no momento da divisão celular , eles não viraram mãos? Seria tão mais cômodo serem mãos. Mãos não têm de sustentar o corpo o dia inteiro, sendo mãos, eles poderiam tatear partes íntimas de belas mulheres, pensava o pé esquerdo, mais atiradinho.Já a vida de um pé era totalmente ingrata e sem nada que compensasse a tortura que passavam diariamente. Naquele momento, o desejo de seus pés era podere nascer mãos na próxima reencarnação. Já o desejo dele era de que alguma alma bondosa lhe desse carona.

Já havia escurecido quando um farol fraco trouxe luz às trevas que haviam se apossado da estrada. Zoroaldo mal acreditou quando o olhou para trás e viu uma caminhonete parada próxima a ele. Num impulso, correu até o carro e abriu a porta do lado do carona.

Um raio rasgou o céu e iluminou o interior da cabine da caminhonete revelando o rosto do motorista por alguns segundos e logo em seguida devolvendo seu rosto às sombras. Ele tinha um rosto pálido e triste, olheiras grandes e escuras, seu olhar parecia longe e trazia uma expressão abatida no rosto.

Então, começou a chover e Zoroaldo achou melhor entrar logo e não perder a oportunidade. Perguntou ao homem se poderia levá-lo até a Mesopotâmia, mas o homem disse, com uma voz densa e triste, que só poderia levá-lo até Tocantins.
Zoroaldo aceitou a carona, chegando a Tocantins, daria um jeito de seguir em frente.

Como estava achando o homem muito abatido, Zoroaldo começou a puxar conversa, contando ao homem sobre seu objetivo: localizar seu amigo Mercivaldo que, supostamente, estaria sendo perseguido pelos cachorros-quentes do mundo e teria sua mente seqüestrada por alienígenas em poucos minutos.

A estrada acidentada pelo qual passavam, com vários buracos bem distribuídos ao longo do percurso, fazia com que Zoroaldo ouvisse o barulho de algo batendo na carroceria da caminhonete. Olhou para trás e viu uma pá bastante suja de terra, na parte de trás do carro, que ficava batendo de um lado para o outro, espalhando terra pela carroceria.

O homem então decidiu também contar algo para Zoroaldo:

- Sabe, hoje é um dia muito triste. - fez uma pausa. - um dia tão triste que chega a ser belo. Estou vindo de um funeral.

Zoroaldo engoliu seco. Depois tentou dizer algumas palavras:

-Poxa, meus pêsames. Era algum parente? Amigo?

- Não, nenhum deles. Era apenas um velho sapateiro. Um sapateiro desconhecido de Avelino Lopes. Solitário, sem clientes, num ponto afastado da cidade. Totalmente abandonado e sem perspectivas.

- Poxa, que vida triste ele levava.

- Sim, meu caro. - concordou o homem. - você chegou onde eu queria. Sabe, nós não merecemos passar nossa vida sofrendo. Nós nascemos para ser felizes.
Olhou para Zoroaldo com os olhos brilhantes dessa vez, e continou:

- Nós nascemos para ser feliz meu caro. Mas as pessoas.... elas não sabem viver. Estragam suas vidas... estragam a vida dos outros... Este homem... que vida vazia levava. Largado ali sozinho, esperando para morrer sem que ninguém desse falta. Não meu jovem, isso não é digno.

Zoroaldo concordou com a cabeça, achando bonitas as palavras do homem, que continuou seu discurso:

- Foi por isso que eu fui lá e matei o sapateiro....

- Você o que!? - gritou Zoroaldo dando um pulo do banco do carona.

- E fiz um belo funeral para ele, com velas coloridas, leitura de belos textos e, por Deus, como eu chorei. Chorei tanto por esse pobre homem.

Zoraldo estava tenso:

- O que você está dizendo? Perdeu a cabeça?

- Ora, meu jovem. Se ele morresse mais cedo ou mais tarde, não teria ninguém para fazer um funeral para ele, ninguém para chorar sua perda. Eu dei a ele um belo funeral e chorei sinceramente sua perda como ninguém mais faria por ele. Sabe, eu adoro funerais - disse com uma cara de maníaco - Funerais são lindos. Um momento em que refletimos sobre a vida e a morte, sobre a perda, sobre os laços que criamos com os outros. Um momento em que nos permitimos chorar e prestamos nossa solidariedade. Um momento que deveria ser vivido sempre! Eu faço funerais para pessoas que não seriam lembradas, pois acho que todos merecem um belo funeral quando morrerem.

- Mas você adianta a morte deles. - interveio Zoroaldo.

- Calado! Eu não posso ficar esperando para sempre até que morram, posso? Alguns têm uma saúde invejável... e eu tenho mais o que fazer, tenho muito trabalho. Como acha que ganho dinheiro para preparar meus funerais?

Zoroaldo lembrava de ter ouvido algo sobre mortes misteriosas que estavam acontecendo no Piauí esporadicamente. Então perguntou ao homem:

- Você é o cara que falam no jornal as vezes? O tal de...

- Sim, sou eu. - interrompeu o homem. - Estão me chamando por ai de "mensal killer", porque eu mato em série, mas só uma vez por mês, quando recebo meu salário. Separo uma parte do dinheiro para prestar um belo funeral para alguma alma triste e esquecida pela sociedade.

Zoroaldo tremia, tinha pegado carona com um assassino. Não sabia o que fazer, não sabia o que dizer, estava paralisado.

- Sabe, meu amigo. - continuou o homem. - eu vejo tanta aflição em seus olhos. Parando para pensar, você estava por ai, numa estrada escura e deserta, vagando sozinho. vestindo somente um roupão de banho azul bebê. Alegando que quer ir para a Mesopotâmia e que tem um amigo imaginário que é perseguido por cachorros-quentes. Sua vida deve ser muito sem sentido e vazia, amigo.

Zoroaldo apenas encarava o mensal killer sem dizer nada. Algumas lágrimas escorreram dos olhos do homem, ele as enxugou com um velho lenço, deu uma breve fungada e disse a Zoroaldo:

- Sabe, eu gostei de você, você é um cara simpático, me fez companhia durante essa triste viagem de volta.

Zoroaldo ficou aliviado ao ouvir isso, tentou agradecer pelos elogios mas o homem voltou a falar antes que ele tivesse a chance:

- E é por isso mesmo que está me dando uma enorme vontade de fazer seu funeral.

- Não! - gritou Zoroaldo por reflexo.

- Sabe, meu caro. Se você continuar perambulando sem rumo pelo sertão somente com esse roupão de banho, logo logo não irá resistir. E você não merece viver assim, nem morrer desse jeito. Você merece ser lembrado! Eu farei seu funeral e chorarei muito a perda de uma pessoa de tão bom coração como você!

Zoroaldo estava apavorado, olhou para a porta da caminhonete e viu que ela estava destravada, enquanto isso, o homem puxou um bloquinho de anotações do bolso e disse:

- Vou te colocar aqui para o próximo mês. - dito isso, anotou o nome de Zoroaldo em sua lista de funerais.

Zoroaldo estava pronto para abrir a porta e saltar da caminhonete em movimento, mas o carro parou de súbito. Zoroaldo gelou e estava pronto para o pior, mas o homem apenas disse:

- Já chegamos amigo. Pode seguir seu caminho agora. E não se preocupe, eu vou te tirar dessa vida sem sentido mês que vem.

Zoroaldo apenas abriu a porta rapidamente e disparou, correndo o mais rápido que seus pés aguentavam.

Agora Zoroaldo estava numa situação complicadíssima. Tinha pouco tempo para encontrar Mercivaldo e como se não bastasse ainda fora jurado de morte pelo mensal killer.
Zoroaldo ficou alguns minutos sentado num banco da praça da cidade, recuperando o ar e pensando no que faria a seguir.

Um comentário:

Blower's Daughter disse...

Thiii!
Ameeeeeeeei esse Volume III!Hahahahaha!
Tá mto bom,adorei o mensal killer!E tá td mto bem escrito e descrito,tanto que consegui visualizar bem as cenas aqui,deu até medo,hahahaha
Vê se escreve logo o resto hein,quero saber o que vai acontecer com o Zoroaldo!
Bjokaaas,Thi!!!